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A criança deficiente visual e seus pais - Parte III

Continuamos publicando o belo texto escrito pela doutora Kay Alicyn Ferrel, diretora executiva da University of Northern Colorado (EUA) e especialista em educação de pessoas com deficiência visual; intervenção precoce com crianças com deficiência e trabalho com as famílias.

Através das principais perguntas feitas pelos próprios pais ao longo de sua carreira, ela procura esclarecer, orientar e incentivar a todos que se defrontam com crianças deficientes visuais.


POR QUE MEU BEBÊ PARECE TÃO QUIETO?

Um dos primeiros comentários que muitos pais fazem sobre seus filhos cegos ou de visão subnormal é que são quietos - que parecem imóveis em seus berços. Outros, dizem que seus bebês não gostam de ser tirados de lá - toda vez que o são, arqueiam as costas, se retesam, ou ainda, parecem querer se afastar. Isto acontece, de fato, com muitos bebês, mas por uma boa razão.

Quando você enxerga bem, vê, o tempo todo, o que acontece a seu redor. Se quiser, pode fechar seus olhos no momento que desejar e não ver. Com a visão, você tem o controle de tudo.

Entretanto, quando não vê bem, a história é diferente: pode ver de modo indistinto ou, talvez, só claridade e vultos. Dependerá de sua audição, olfato e tato para saber o que acontece a seu redor. Ao mexer-se em sua cama, não escutará muito, exceto o som de seu próprio movimento. Os bebês cegos e deficientes da visão ficam quietos e imóveis, por muito tempo, porque ficam escutando o que acontece à sua volta. Além disso, não podem fechar seus ouvidos para deixar de ouvir - têm que aprender o que cada som significa e por que eles são importantes.

A reação, ao ser apanhado, está relacionada com a aguda atenção que o bebê presta ao mundo. Se ele estiver atento ouvindo, sentindo-se seguro deitado na cama e, de repente, perceber que o estão movimentando, jogando para o ar - claro que vai se assustar e ficar transtornado. E seu modo natural de reagir é gritar, querer se afastar e voltar para onde estava.

Isto não quer dizer que não deva perturbar seu filho ou apanhá-lo. Significa que você deve pôr-se no lugar dele e imaginar como gostaria de brincar e ser apanhado. Desejaria algum aviso, de ter ideia do que está se passando. Isso também é verdadeiro para seu filho deficiente da visão. Diga-lhe o que faz, dê-lhe uma chance para responder e conte-lhe o que está fazendo, enquanto o fizer.

Embora pareça convidativo deixar seu filho aprender sobre o mundo em suas próprias condições, nem sempre essa é a melhor ideia. Experiências de movimento - ser conduzido ou mover-se sozinho - ensinam muito sobre o corpo: onde está situado no espaço e a maneira de usá-lo. Considerando que a visão é uma das maneiras que aprendemos sobre movimento, as crianças que têm pouca visão podem não se movimentar tanto quanto devem, justamente porque não tiveram chance de compreender por que o movimento é divertido.

Assim, faça com seu filho cego, deficiente da visão ou portador de deficiência múltipla o mesmo que você faria com seus outros filhos - apanhe-o, embale-o, faça-lhe cócegas, carinhos, carregue-o nas costas, brinque com ele. Se seu filho possuir mais de uma deficiência, faça as mesmas coisas, mas consulte um médico ou fisioterapeuta para descobrir se há modos especiais que você deva utilizar.

POR QUE MEU FILHO NÃO SE MOVIMENTA MUITO?

Crianças aprendem a engatinhar e a andar porque veem algo no quarto que desejam, ou porque assistem às pessoas a seu redor se movendo. Se seu filho não consegue ver um objeto, o qual, por sua vez, não faz qualquer ruído, provavelmente não sabe que o objeto lá está - e assim, não tem nenhuma razão para ir alcançá-lo.

É natural que você tente criar experiências tais para seu filho, que acabe levando com demasiada frequência, o mundo para ele. Não poderá fazer isso sempre. O que realmente deseja fazer é encorajar seu filho para que "vá à luta" - que seja curioso, que explore, que descubra que existe outro mundo além da ponta de seus dedos. Você pode encorajá-lo a isso, ajudando-o a:

- juntar dois e dois ("Está ouvindo? É o cronômetro na cozinha. Vamos ver se os biscoitos estão prontos... Vou tirá-los do forno... Deixemos que esfriem um pouco... Pegue um para você!" Fale sempre muito com seu filho);

- ir buscar o que quer (“Papai está aqui. Venha me pegar!", "Olhe a bola aqui, venha pegá-la!") - Usem os verbos olhar e ver de maneira natural, não os troquem por outros);

- brincar de jogar bola e de esconder.

Tudo isso ensinará a seu filho que pessoas e objetos existem, até mesmo quando ele não os estiver tocando, ouvindo ou provando.

Seu filho não vê outras crianças engatinhando, caminhando, correndo ou saltando. É uma boa ideia mostrar-lhe como e ajudá-lo a fazê-lo.

POR QUE MEU FILHO NÃO SE DIVERTE MUITO COM BRINQUEDOS?

Até que seu filho saiba o que um brinquedo é e como usá-lo, não terá uma noção correta de como brincar com ele. Escolhemos muitos dos brinquedos que damos a nossos filhos porque nós gostamos das cores - não porque o som seja particularmente atraente à criança, porque seja agradável, ou porque a criança pode fazer algo com ele. Os móbiles de berço que adquirimos são um notável exemplo disso. Eles parecem muito graciosos de onde estamos, mas do berço, onde o bebê está deitado, não têm qualquer interesse, a menos que se movimentem ou que façam barulho.

Não sabemos muito sobre a razão pela qual alguns brinquedos são mais interessantes que outros para crianças cegas e deficientes da visão. No entanto, sabemos que elas não conseguem brincar se não souberem que os brinquedos estão lá. Você pode ajudar seus filhos a achar os brinquedos à frente e atrás deles, pelo quarto, nas gavetas, em armários. E pode fazer disso uma diversão, brincando com seu filho e dando-lhe informações de como está indo:

"Muito bem! Você pôs o bloco redondo no buraco redondo!"

"Veja como essas argolas de empilhar se ajustaram; uma em cima da outra!"

"Você sabe acelerar seu gravador? Está tentando achar sua canção favorita?"

Quando você comprar brinquedos para seu filho, procure os que têm as seguintes características:

inquebráveis;

não pontiagudos;

de cores luminosas (vermelho, amarelo, laranja, cor-de-rosa forte);

com grandes contrastes (amarelo e preto, preto e branco);

com partes móveis;

sonoros;

agradáveis ao toque;

com texturas diferentes.

Crianças cegas e de visão subnormal não brincam com muitos dos animais de pelúcia, fantoches e bonecas que compramos até que tenham o poder de abstrair do modelo para o real. Um cachorro com enchimento não parece, cheira ou soa como um cachorro; e o rosto duro de plástico de uma boneca não se assemelha ao rosto de um bebê de verdade. Isso não quer dizer que você não deva dar a seu filho bonecas e animais de pelúcia; significa que você precisará brincar com ele e mostrar-lhe como ele pode usar sua imaginação, deixando que as abstrações se façam na idade certa.

POR QUE MEU FILHO FAZ ALGUMAS COISAS REPETIDAMENTE (MANEIRISMOS)?

Crianças cegas, de visão subnormal ou portadoras de deficiência múltipla às vezes desenvolvem hábitos, como balançar-se, cutucar o olho ou mexer os dedos e os braços. Isso pode exasperá-lo, envergonhá-lo ou frustrá-lo como pai. É tentador pôr a culpa dessas coisas na deficiência de seu filho. Mas, na verdade, todo mundo tem alguns hábitos irritantes - enrolar o cabelo, enrugar o nariz, ou coçar. A diferença é que as pessoas com visão podem ver os outros fazendo essas coisas ou olhar-se em um espelho e resolver, baseando-se no que veem, se querem continuar a fazê-las. A criança cega frequentemente conserva esses maneirismos, porque não sabe com o que se parecem.

Há muitas teorias sobre por que crianças cegas desenvolvem de maneira tão forte esses maneirismos. Algumas pessoas dizem que é porque bebês deficientes da visão ou portadores de deficiência múltipla não são suficientemente ativos; outros, que não tiveram bastante estimulação vestibular e sinestésica - isto é, não se movimentaram o bastante para sentir seus corpos em diferentes posições no espaço. Outros ainda acham que os bebês deficientes da visão apertam os olhos porque isso faz flashes de luz (fará para você, também). Os maneirismos podem parecer particularmente fortes em tempos de estresse - quando seu filho estiver tendo dificuldade para fazer algo ou estiver assustado. Claro que seu filho deficiente da visão ou com deficiência múltipla também pode, simplesmente, achar isso bom.

Mas, na verdade, não importa por que seu filho faz o que faz. Esses comportamentos podem ser, no futuro, um fator dificultador no seu processo de convívio e de participação social. É importante modificar o padrão de comportamento - corrigindo-o, lembrando-o sobre o que está fazendo ou desviando sua atenção para outra atividade. Um professor pode ser de grande ajuda, se decidir que quer mudar o comportamento de seu filho. Mas você tem que se lembrar de ser constante - não pode corrigir uma vez sem fazê-lo na próxima, porque isso dará a seu filho uma mensagem confusa. Talvez você queira dizer isso, talvez não. Ele continuará a testá-lo inúmeras vezes, até um de vocês dois cansar (geralmente você!).

POR QUE MEU FILHO REPETE TUDO O QUE DIGO?

Ecolalia - repetir ou ecoar o que as outras pessoas dizem - é uma fase pela qual todas as crianças passam. É um modo de treinar a fala e aprender sobre a linguagem e a comunicação. Às vezes, nas crianças cegas e de visão subnormal essa fase parece durar muito tempo. A linguagem é abstrata. As palavras representam pessoas, conceitos ou coisas. Enquanto a criança não compreender isso, será incapaz de juntar as palavras para fazer seu próprio discurso. Repetir o que outros dizem é mais fácil.

Se tentou, algum dia, aprender um idioma estrangeiro, poderá avaliar o que seu filho está tentando fazer: você repetiu palavras e frases antes que soubesse usá-las de maneira conexa e coerente. Só quando soube o que as palavras estrangeiras significavam, pôde colocá-las numa frase feita por você mesmo. E é assim para seu filho. Entretanto, é um pouquinho mais complicado para a criança que não pode ver aquilo sobre o que está falando. Pode demorar um pouco mais até que dê o salto da fala imitativa para a comunicação.

Você pode ajudar seu filho deficiente visual ou portador de deficiência múltipla fazendo-se algumas perguntas:

"Estarei apenas nomeando as coisas para meu filho, ou as estou descrevendo, falando sobre elas, relacionando-as a outros acontecimentos de sua vida?"

"Estarei apenas repetindo as palavras que meu filho diz ou estou lhe dando, a cada vez, um pouco mais de informação?"

"Estarei lhe fazendo perguntas demais?"

"Estarei lhe dando uma chance de responder às perguntas que faço?"

"Antecipo o que deseja ou espero que me diga (através de palavras ou ações) o que quer?"

Se for cuidadoso com a maneira como usa a linguagem, você poderá ajudar seu filho a passar da ecolalia para a linguagem real.



(Fonte: Diversidade em cena)

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