O poder de cura da maquiagem egípcia

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Cleópatra foi a última Rainha da Dinastia ptolomaica que dominou o Egito após a Grécia ter invadido aquele país. Filha de Ptolomeu XII com sua irmã, ela subiu ao trono egípcio aos 17 anos de idade, após a morte do pai. Contudo, ela teve que dividir o trono com seu irmão, Ptolomeu XIII (com quem casou), e depois, com Ptolomeu XIV.

Ela tinha uma grande preocupação com o luxo da corte e com a vaidade. Costumava enfeitar-se com jóias de ouro e pedras preciosas que encomendava de artesãos ou ganhava de pessoas próximas e familiares. Um dos melhores (e mais caros) filmes sobre a vida de Cleópatra é a produção de 1963, no qual a rainha egípcia foi interpretada por Elizabeth Taylor. Sua personificação da rainha sempre será lembrada, também, graças à maquiagem pesada que a atriz exibia.

Acontece que esse tipo de adorno era muito mais do que uma exibição de vaidade no Egito Antigo. Do ponto de vista místico, acreditava-se que os deuses Horus e Ra protegiam de infecções os olhos daqueles que usavam pintura. Mas faltava a opinião da ciência. Agora, um estudo recém-divulgado por pesquisadores franceses detalha como a maquiagem servia de escudo para os olhos de nobres e trabalhadores.

Depois de analisar 52 amostras de potes usados para guardar pós e cremes faciais datados de quatro mil anos e preservados no Museu do Louvre, em Paris, os cientistas, coordenados por Philippe Walter, do Centro de Pesquisa e Restauração dos Museus de Paris, encontraram quatro diferentes substâncias à base de chumbo, como a laurionita, com a ajuda de microscópios eletrônicos e aparelhos de raio X. Nos testes, esses elementos aumentaram a produção de óxido nítrico em mais de 240% em uma cultura de células de pele, preparada especialmente para o estudo. Em artigo publicado na revista científica “Analytical Chemistry”, os pesquisadores franceses dizem que não é possível afirmar que a laurionita era adicionada à composição das maquiagens por ter alguma propriedade antibacteriana conhecida.

Os pesquisadores já conhecem o papel dessa substância no corpo: ativar o sistema imunológico, que combate invasores. Apesar de ser considerado tóxico, o chumbo pode ter efeitos positivos em concentrações muito baixas. O químico Christian Amatore, também da equipe de pesquisadores, alerta que a descoberta não significa que o metal possa ser usado em maquiagens hoje em dia. Numa época sem antibióticos, porém, os benefícios do uso do chumbo compensavam os riscos. Nas águas paradas que o rio Nilo deixava antes de sua cheia as bactérias eram abundantes. Por este motivo, os egípcios usavam seus cosméticos para prevenir ou tratar infecções oculares.

Apesar da produção de cosméticos e medicamentos não ser exclusividade dos egípcios antigos, o Egito é o primeiro exemplo conhecido de produção em larga escala, de onde se pode presumir que os egípcios notaram os efeitos eficazes do uso do elemento químico e decidiram sintetizá-lo.

A questão do chumbo na maquiagem continua a ser debatida na indústria de cosméticos, particularmente em relação às pequenas quantidades de chumbo encontradas em alguns batons. Enquanto alguns grupos e médicos argumentem que, com o tempo, usuários de batom podem absorver níveis de chumbo capazes de resultar em problemas de comportamento, outros defendem que as quantidades de chumbo encontradas em maquiagens são pequenas demais para causar danos.

Polêmica em torno da maquiagem, porém, não é novidade. A mais antiga paralisação de trabalhadores registrada na história da humanidade aconteceu no Egito – e o direito à maquiagem era uma das reivindicações. No ano 29 do reinado de Ramses III (cerca de 1180 a.C.), operários que construíam templos e tumbas fizeram uma manifestação para exigir pagamentos atrasados. Como não havia moeda no Egito Antigo, esses homens eram pagos com ferramentas, comida e cosméticos que eram essenciais para protegê-los do sol. Os trabalhadores foram convencidos a voltar para suas casas com a promessa de que o pagamento seria feito. Mas isso não aconteceu. Então eles tiveram que protestar mais algumas vezes até conseguir que o vizir (uma espécie de primeiro-ministro) pagasse o que devia, inclusive a maquiagem.

Portanto, os comentários de que Cleópatra abusava da maquiagem por que, na verdade, era uma mulher desprovida de beleza, não passam de fofocas maldosas...



(Fonte: The New York Times)