A linguagem como instrumento de inclusão das pessoas com deficiência

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Em 2012, durante a 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a presidente Dilma Roussef foi vaiada quando chamou pessoas com deficiência de "portadores de deficiência”. Foi um ato falho, mas que rendeu, além do desconforto das vaias, um debate em torno da terminologia correta que deve ser utilizada para designar pessoas com deficiência.

Recentemente, Saúde Visual recebeu uma mensagem questionando a respeito deste assunto. A postura do ‘politicamente correto’ acaba por pegar muita gente de surpresa. O que valia antes, não vale mais e pode ser até considerado preconceituoso. A terminologia voltada para pessoas com deficiência é uma das mais delicadas. Muitas pessoas, mesmo as com deficiência, ainda que sem querer, utilizam termos conceitualmente inadequados para designar pessoas que possuem algum tipo de deficiência.

O motivo está na própria evolução da terminologia, que foi se amoldando à sua época. Até o ano de 1980, eram utilizados termos como excepcional, aleijado, defeituoso, incapacitado ou inválido. A partir de 1981, devido ao Ano Internacional e da Década das Pessoas Deficientes (1983-1992), estabelecido pela ONU, passou-se a utilizar o termo ‘deficientes’. Em meados dos anos 80, entraram em uso as expressões pessoa ‘portadora de deficiência’ e ‘portadores de deficiência’. Somente em meados da década de 1990, a terminologia utilizada passou a ser ‘pessoas com deficiência’, que permanece até hoje.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência procura incentivar o uso da terminologia correta, oficial e proposta pelas próprias pessoas com deficiência que colaboraram na construção deste tratado que foi aprovado pela Assembleia da ONU em 2006, assinado pelo Brasil e outros 80 países em 2007 e ratificado em 2008 pelo Congresso Nacional.

Esta convenção oficializou o termo "pessoas com deficiência" em seu próprio título, além de o reafirmar em todos os seus artigos.

Logo no primeiro, por exemplo, o texto afirma que “o propósito da presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade”. E, em seguida, confirma: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”.

Com este conceito, pretende-se que a palavra “portadora” não seja mais utilizada nem como substantivo nem como adjetivo. Em seu livro “Vida Independente: história, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos”, o prof. Romeu Sassaki, ativista no movimento das pessoas com deficiência, lembra que “a condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo "portar" como o substantivo ou o adjetivo "portadora" não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa”. O professor cita, como exemplo, que não falamos e nem escrevemos que uma certa pessoa é “portadora de olhos verdes ou pele morena".

Assim como a terminologia vai se moldando à sua época, a própria pessoa com deficiência vai se firmando por suas qualidades e não mais pela equivocada imagem de fragilidade. Neste processo, a linguagem faz seu papel inclusivo, integrando os deficientes à sociedade – e vice-versa.


(Fonte: Bengala Solidária)