Quando criança, Eder Pires de Camargo sonhava ser jogador de futebol. O sonho de Eder, no entanto, durou pouco. Desde criança ele tem uma perda contínua da visão por causa de uma doença degenerativa, a retinose pigmentar.
Depois dos 20 anos, ele ficou cego, mas, ainda assim, continuou atleta: participou de provas coletivas em campeonatos de atletismo e completou a São Silvestre em 2000 e 2001.
Na profissão, encontrou seu caminho em outra área. Fez o curso de licenciatura em física na Unesp de Bauru. Seu novo livro é resultado de sua pesquisa de pós-doutorado realizada a partir de 2005.
Eder virou professor universitário e encaminha suas pesquisas para uma área que domina como ninguém: o ensino de física para deficientes visuais.
Eder teve a ajuda de professores e colegas de classe para superar obstáculos. No início, os alunos faziam rodízio para ajudá-lo a estudar. A cada dia, um deles lia o conteúdo dos livros e o auxiliava em relatórios e exercícios. O revezamento acabou quando saíram as notas das primeiras provas – todas ótimas. A companhia do estudante cego passou a ser disputada pelos colegas.
Depois, com o avanço da tecnologia, Eder conquistou autonomia por meio de programas que permitem o acesso a conteúdos digitalizados. O computador é uma ferramenta importante no dia a dia do professor. Ajuda nas pesquisas, leituras, estudos e planejamentos.
Baseado em sua própria trajetória, Eder percebeu que a construção de maquetes táteis-visuais podem ajudar muito os alunos deficientes visuais a entender fenômenos da física. São modelos bi ou tridimensionais, construídos com barbantes, placas de isopor e arames. Ao tocar as maquetes, os alunos cegos conseguem entender, por exemplo, a condução da eletricidade.
Na maquete criada por ele, uma tábua fica inclinada com pregos e esferas. A inclinação indica a potência elétrica. Quanto maior a inclinação, maior a potência. Os pregos simulam a estrutura de material condutor, e as esferas representam os elétrons.
No ensino de óptica, ele simula a dispersão e refração da luz por meio de um barbante. O aluno segura o material para poder compreender o que acontece. Numa sala de aula para alunos sem deficiência, retas dos fios de luz são traçadas na lousa.
Eder questiona o ensino tradicional baseado apenas na memorização de fórmulas e textos, o que pode desmotivar os alunos, diz. Também avalia que hoje em dia tudo é muito pronto e automático, o que não estimula o raciocínio. As maquetes podem ser uma forma de viabilizar o envolvimento dos alunos.
Aos 34 anos, Eder concluiu o pós-doutorado. Ele fez mestrado e doutorado na Unicamp e trabalha para que professores da rede estadual utilizem recursos capazes de incluir, de fato, os alunos portadores de deficiência visual. É autor de três livros e participa de palestras, seminários e cursos sobre a inclusão. Em seu quarto livro, ainda não lançado, ele fala sobre o que deve ser comum e o que deve ser específico no ensino para alunos com e sem deficiência.
Saberes docentes para a inclusão do aluno com deficiência visual em aulas de física é seu quarto livro, onde Eder reuniu ferramentas úteis para professores ensinarem física a alunos que não enxergam. Lançado neste ano pela Editora Unesp, o livro – que pode ser acessado gratuitamente, basta clicar aqui –, avalia os obstáculos para incluir os estudantes cegos no aprendizado de conhecimentos como óptica, eletromagnetismo, mecânica, termodinâmica e física moderna, e sugere formas de viabilizar a participação e o entendimento desses alunos.
(Fonte: Folha de São Paulo/Cristina Camargo)