Desfazendo mitos para minimizar o preconceito sobre a sexualidade de pessoas com deficiências - Parte 4

Nesta quarta parte do estudo sobre a presença de ideias preconceituosas sobre a sexualidade de pessoas com deficiência, Ana Cláudia Bortolozzi Maia e Paulo Rennes Marçal Ribeiro vão tratar do mito de que pessoas com deficiência não conseguem usufruir o sexo normal que é espontâneo e envolve a penetração seguida de orgasmo, por isso, são pessoas que têm sempre disfunções sexuais relacionadas ao desejo, à excitação e ao orgasmo.

A deficiência pode até comprometer alguma fase da resposta sexual, mas isso não impede a pessoa de ter sexualidade e de vivê-la prazerosamente. Além disso, na cultura ocidental, que herda as regras repressivas da religião judaico-cristã, culpando o sexo que visa apenas o prazer e não a reprodução e condenando atos como a masturbação, as relações homossexuais, o orgasmo e o desejo acentuado de mulheres, etc., as disfunções sexuais acabam sendo comuns justamente por conta da intensa repressão sexual que, de diversas formas, ainda hoje persiste.

As disfunções femininas, como a falta de lubrificação vaginal e as masculinas, como a disfunção erétil e, em ambos os sexos, a anorgasmia e inibição do desejo, em geral, podem representar sentimentos de culpa relacionados ao sexo-prazer, uma história repressiva e moralista em relação à sexualidade, à afetividade e à vida sexual que dificultam o aprendizado de sensações satisfatórias em relação ao corpo, independentemente de se tratar ou não de uma pessoa com deficiência.

Na mesma direção também há uma crença no sexo ideal. Para Kaufman, Silverberg e Odette, a regra idealizada de um sexo funcional e normal pode ser compreendida a partir da observação de diversos filmes: mulheres e homens sempre disponíveis para o sexo, beijos e penetração de todos os tipos, diferentes posições e um orgasmo simultâneo. Shakespeare argumenta que a crença na sexualidade normal tem como foco a genitalidade e as funções sexuais. Além de nenhuma dificuldade aparecer na relação sexual normativa e idealizada, também se prioriza a penetração e o orgasmo. Baer comenta que na expressão do sexo normal e prazeroso há a necessidade de penetração vaginal e orgasmos. A prática sexual que não é completa com esses atributos é considerada menor, como o sexo oral ou a masturbação, por exemplo, mas, segundo os autores, estudos mostram que pessoas de todo tipo se masturbam e se satisfazem com essa prática sexual.

Muitas pessoas cultivam mensagens negativas sobre o sexo sem penetração ou falta de orgasmo. Isso tanto alimenta o sentimento de compaixão como o sentimento de inadequação daqueles que por necessidade ou desejo, não podem ou escolhem não ter relações sexuais ou daqueles que precisam satisfazer-se por meio da masturbação pela dificuldade em viabilizar relações sexuais ou pela dificuldade de se relacionar sexualmente com penetração, a partir da ideia de que vive um sexo incompleto e/ou infeliz.

Outro conceito normativo comum é a ideia de que sexo é uma atividade espontânea, algo que vem naturalmente como o amor verdadeiro. Isso também afeta a todos que buscam a satisfação sexual a partir modelos idealizados e midiáticos, por exemplo, e temos dificuldades em reconhecer no cotidiano que o sexo é inclui um aprendizado. No caso de pessoas com deficiência que, muitas vezes, para as relações sexuais, precisam realizar o planejamento e as adequações do ambiente e isso se torna um problema ainda maior porque nessas condições o sexo não será nunca espontâneo; isso, no entanto, não inviabiliza a possibilidade de sentimentos de prazer e satisfação sexual.

Sexualidade, portanto, é social e cultural. Aprende-se, em diferentes culturas, o sentido do prazer, do desejo, do erotismo humano e damos significados diferentes para o que se define como amor, fidelidade, casamento, paquera, etc. Em todas essas situações do erotismo humano, reproduzem as concepções sociais internalizadas. Costa, por exemplo, lembra que o amor romântico é uma invenção cultural que nada tem de natural e universal, nem é um sentimento incontrolável e nem mesmo pode ser relacionado à garantia de felicidade eterna. A partir da cultura e da educação há uma construção sobre a escolha de nossos objetos amorosos e não é verdadeiro o fato de que todos são alvos desejáveis, embora não percebamos isso conscientemente. Nesse sentido, o amor, assim como o sexo e o desejo são influenciados pelas concepções sociais de normalidade que destroem qualquer possibilidade de se desejar espontaneamente. Diz o autor:

Sentimo-nos atraídos sexual e afetivamente por certas pessoas, mas raras vezes essa atração contraria os gostos ou preconceitos de classe, "raça", religião ou posição econômico-social que limitam o rol dos que "merecem ser amados" (...). O amor é seletivo como qualquer outra emoção presente em códigos de interação e vinculação interpessoais.

A própria sociedade dificulta a possibilidade de pessoas com deficiência de exercerem a sexualidade porque não disponibiliza igualmente para todas as oportunidades de privacidade que se torna uma barreira para muitas pessoas com deficiência para exercer uma sexualidade positiva, o que é ainda mais evidente em instituições onde o controle e a vigilância não permitem a privacidade e o fato dela não existir se soma à concepção de que o sexo vai ser inexistente, perigoso ou dificultoso para essas pessoas. A maioria das instituições nega aos seus alunos, clientes e residentes o direito de serem sexuais. Em internatos, as mensagens são claras: a expressão da sexualidade não é algo aceitável. Não se tranca a porta, não há nenhum momento de privacidade e os cuidadores tratam do sujeito como objeto. É comum tratá-los na 3ª pessoa, mesmo na presença deles, e controlar o que fazem. O diálogo é pouco e não se conhece, nem se procura ouvir, suas necessidades, desejos relacionados à vida como um todo e, principalmente, à sexualidade.

Há também no imaginário social uma ideia de que as coisas ruins só aconteceriam para pessoas ruins, como contrair uma doença grave, sofrer um acidente ou ter um sério problema, porque elas mereceriam Ocorre que acreditar nesse destino culposo é pouco produtivo para se lutar contra as adversidades da vida. No caso da vida sexual, se essa exige sofrimento e desgaste, acaba sendo justificada como um castigo merecido o que leva a sentimentos depressivos e comportamentos passivos, também em relação à expressão da sexualidade. Afastar a possibilidade de um sexo prazeroso acaba sendo uma crença incorporada pelo próprio sujeito com deficiência que acredita que ele não pode gozar de uma vida sexual e afetiva como os demais, porque não a merece.

 

 

Autores:

Ana Cláudia Bortolozzi Maia, Doutora em Educação. Departamento de Psicologia. Faculdade de Ciências. Unesp, Bauru.

Paulo Rennes Marçal Ribeiro, Livre-Docente em Sexologia e Educação Sexual. Departamento de Psicologia da Educação. Faculdade de Ciências e Letras. Unesp, campus de Araraquara.

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